O menino do ônibus
Foram apenas cinco minutos de espera.
Poderia ter sido um embarque imediato se o menino do ônibus
não tivesse saído mais cedo do estágio para fumar um cigarro
antes da longa viagem até a universidade.
Como de costume, entrou no ônibus com o material na mão.
A fumaça exalada era o cumprimento ao motorista.
- Vá devagar!
Olhou em volta, muitos bancos vazios. Caminhou sem pressa
em passos de all-star. Indeciso com tanta disponibilidade,
coçou a cabeça. Ameaçou sentar no meio, desistiu.
O olhar de reprovação de uma garota o fez ficar exatamente
onde ele planejara desde que havia passado a catraca:
a poltrona à esquerda. A vista dali era melhor.
Dava pra ver o menino sentado logo atrás, imerso em pensamentos.
A intenção era puxar conversa. Maldito discman.
Já haviam se cruzado outras vezes. Ás terças eles pegavam o mesmo ônibus.
Não era sempre. Sabia que hoje o dia era especial. Gravou cada detalhe da cena.
A orelha estava vermelha. Se fizesse um pequeno esforço, conseguiria ouvir a música
dos fones. Poderia apostar que era...
Cabelos pretos. Deve ter cortado hoje.
A barba por fazer evidenciava o traço forte do rosto.
Definido.
Não sabia quem era, não sabia que curso fazia. A única certeza é que
sempre que se cruzavam algo acontecia intimamente. Sensação de que,
mesmo sem nunca terem trocado uma palavra, eram cúmplices.
Quando os olhos se encontravam um lapso no tempo era congelado.
Troca a música. Por um momento parece que vai tirar os fones.
É a grande chance. Mão suada, coração palpita, frio na barriga,
pernas trêmulas, medo.
Antes de colocar um novo cd, como se sentisse que estava sendo observado,
o menino do ônibus olha ligeiramente para trás e à direita diretamente
nos olhos esbugalhados. Sorri.
só percebe o movimento dos lábios. O tempo congelado não propaga as palavras.
O que será que ele está dizendo. Quando o mundo volta a girar, estão sentados
lado a lado.
- Gosta desse som?
Não percebeu como saiu do banco e foi parar ali dividindo o fone.
Do ouvido que sobrou, o menino do ônibus se aproxima. Encosta a boca,
arrepio. Tempo pára.
O que foi dito naquele instante se tornou a memória de um só menino do ônibus.
Anos depois ela foi recontada pelo outro.
Destino.